Alfarroba
No pico do verão, no Algarve, os campos estão secos, as folhas das amendoeiras apresentam um verde amarelado, as oliveiras mantêm o verde acinzentado característico, mas as alfarrobeiras destacam-se pelo verde intenso, em muitos casos com larga copa a tocar o chão. São árvores próprias da bacia mediterrânica, adaptadas às condições climáticas, sendo Espanha, Itália, Portugal e Grécia os países de maior produção de alfarroba, com cerca de 75% do total mundial.
O fruto, uma vagem alongada, apresenta uma cor verde antes da maturação e preta quando está madura. Predomina no litoral e no barrocal, havendo quem considere esta última sub-região “o solar característico da alfarrobeira”. Nos últimos tempos tem diminuído, drasticamente, a quantidade de alfarroba produzida. Nalguns casos, estas árvores foram arrancadas para dar lugar a plantações de outras árvores, sobretudo laranjeiras. Já há quem se arrependa de ter optado por essa mudança, porque o rendimento esperado com elas não se verificou, as novas árvores exigem um tratamento constante e a alfarrobeira é pouco exigente em termos de cultura agrícola.
São de louvar as iniciativas de proceder à plantação de plantas jovens, uma vez que podem garantir um bom rendimento sem grande despesa no seu cultivo. Tem muitas aplicações: na alimentação (doçaria e bebidas), na preparação de rações para animais, na farmacopeia e até na indústria, razões que podem constituir um incentivo ao seu cultivo em maior escala, pelo menos a níveis anteriores.
Amêndoas
Frei João de S. José, autor de Corografia do Reino do Algarve (1577), enaltece as vantagens deste produto, nestes termos: “A amêndoa, no Algarve, é de boa fazenda, porque não requer algum adubo, não apodrece com a chuva, nem se toma do bicho, nem tem seu dono com ela mais gasto que varejá-la, quando ela mesmo por si se abre e despede a casca na amendoeira”. Apesar de tantas vantagens, a produção de amêndoa tem diminuído de uma forma acentuada. No fim do verão, é frequente encontrarem-se as amêndoas caídas debaixo das árvores e algumas teimosamente agarradas aos ramos, sem que ninguém as apanhe. O deslumbramento dos campos com as amendoeiras em flor, no fim de Janeiro e princípios de Fevereiro, já vai sendo uma raridade.
No passado remoto e próximo, a maior parte das amêndoas produzidas na região alimentava o comércio externo, enquanto só uma pequena parte se destinava ao consumo directo interno, com muita aplicação na doçaria regional e no fabrico de amarguinha, uma bebida, apreciada como digestivo. No presente, o Algarve é deficitário em amêndoas que continuam a ser usadas na doçaria. Tem de ser retomada a sua produção, até porque não exige muita mão-de-obra, nem grande tratamento.
Azeite e Azeitonas
João Baptista da Silva Lopes, estudioso do Algarve do século XIX, dizia que na região se fabricava muito azeite, a ponto de se exportar. Se isto era verdade para o tempo daquele autor, não o é nos nossos dias, porque as azeitonas destinadas a azeite têm diminuído consideravelmente e fecharam a maioria dos lagares de azeite. Até há algum tempo, as oliveiras constituíam um rendimento suplementar dos agricultores, tanto na forma de azeite como de fruto comestível, depois de feita a conserva.
O declínio acentuado da cultura das oliveiras não pode continuar, porque se produzem azeitonas de muito boa qualidade destinadas ao consumo directo e à exportação. São variados os tipos de azeitonas consumidas no Algarve: britadas para adoçarem mais depressa, em conserva de água e sal, em salmoura, juntando-se, neste último caso, um molho de azeite, vinagre, alho, pimentão, cominhos, orégãos ou salsa. As azeitonas não serão um acompanhamento tão frequente como no passado, em que se fazia, por vezes, uma refeição com pão, azeitonas e um copo de vinho, mas ainda se consomem em grande quantidade e é frequente os restaurantes servirem-nas como uma das entradas.
Batata Doce
No livro “O Algarve Oriental. As vilas, o campo e o mar”, a autora, Carminda Cavaco, considera que “batata doce é o pão dos pobres”. Esta afirmação ainda se aplicava à data da publicação daquela obra, 1976, significando que se encontrava quase só na mesa dos camponeses que a cultivavam nos seus hortelejos para auto-consumo. Muito provavelmente, este produto foi trazido para a Europa pelos descobridores do Novo Mundo, à semelhança do que se passou com a batata comum. Os naturais do Algarve fazem distinção entre as duas, chamando a esta batata redonda. A batata doce é uma raiz ou tubérculo, desenvolvida a partir de podas que alastram pelo terreno, com muita facilidade.
A zona do Algarve mais afamada na sua produção é a das terras férteis da ribeira de Aljezur. As raízes atingem o seu desenvolvimento máximo em Outubro-Novembro, altura em que encascam, devendo ser colhida da terra, porque, de contrário, começa a apodrecer. A sua conservação apresenta algumas dificuldades por secar e grelar mais facilmente do que a batata redonda, sendo aconselhável mantê-la no escuro. Tem aplicações várias na gastronomia: assada ou frita, utilizada na confecção de vários pratos, como no cozido à portuguesa e em feijoadas e no fabrico de pastéis de batata doce, muito apreciados pelas famílias algarvias que não perderam os seus hábitos ancestrais.
Ervas Aromáticas/Condimentares
Todos os povos mediterrânicos, usam as plantas aromáticas/condimentares, na sua gastronomia, por proporcionarem um gosto e um aroma característicos, sem qualquer efeito negativo para a saúde. Quem não está familiarizado com elas pode, à primeira vista, não as apreciar, mas, com o tempo, tornam-se agradáveis, substituindo produtos que poderão ser nocivos.
Os orégãos, arbusto de reduzidas folhas verde-escuras e de pequenas flores brancas, cortam-se após a floração, secam-se e só depois estão preparados para serem utilizados. Empregam-se muito na salada de tomate e noutras, nalgumas conservas de azeitonas, no gaspacho, com determinados peixes cozidos ou grelhados e são imprescindíveis nos caracóis.
Os coentros, planta do género das apiáceas e de acentuado odor, quase já não aparecem no estado espontâneo, como anteriormente, sendo objecto de cultura nas hortas. O arroz de marisco exige sempre uma boa porção de coentros picados e espalhados por cima. Também se utilizam em açordas, nas amêijoas e nas conquilhas, abertas ao natural.
O tomilho, espécie arbustiva de folhas lineares pode aparecer no estado selvagem ou de cultura e o alecrim utilizam-se, sobretudo, no tempero de carnes.
Nas receitas típicas algarvias, podemos verificar a importância das plantas aromáticas/condimentares, produtos não dispendiosos, de odor e sabor agradáveis cuja cultura e ou recolha tem de ser incentivada para que continue a ser possível preparar aquelas receitas.
Figos
O geógrafo árabe da Idade média referia-se desta forma à qualidade dos figos produzidos em Silves: “A cidade de Silves faz parte da província de Aixinxine, cujo território é celebrado pelos figos que produz, enviados para todas as regiões do ocidente e que são de uma excelência e doçura incomparáveis”. As condições de clima e de solo não se alteraram, ainda é possível produzir figos com a mesma qualidade, se houver vontade e consciência do seu valor económico.
Os figos foram, desde sempre, um dos produtos agrícolas mais generalizados e apreciados do Algarve. Eram muito utilizados na alimentação e um dos produtos de maior peso na exportação. Nalguns anos de carência de cereais, chegavam a ser utilizados no pagamento de pequenos foros. Trata-se de um fruto bem adaptado ao Algarve. As figueiras resistem ao calor dos verões prolongados, sem haver necessidade absoluta de as regar. Raramente apareciam isoladas nos terreno, estando associadas às amendoeiras e alfarrobeiras, com trigo, cevada e centeio nos intervalos.
Nos últimos tempos, a figueira acompanhou a decadência generalizada da agricultura, sendo, por vezes substituída por citrinos e horticultura, nos terrenos onde é possível o regadio. É frequente verem-se campos ao abandono em que antigas figueiras estão a definhar, secas ou apenas com algumas vergônteas verdes que lá vão resistindo à falta de tratamento. O declínio da figueira tem-se acentuado de ano para ano, registando-se, muito recentemente, uma pequena viragem com o plantio de novos figueirais em regime de monocultura, contudo ainda insuficientes para compensar a diminuição deste produto, com muita aplicação na gastronomia sob a forma de figos secos, estrelas de figos, queijo de figo. Este facto tem de levar ao incremento dos figueirais que podem dar bom rendimento aos seus proprietários e garantir a existência desta matéria prima na gastronomia regional.
Mel
O já citado autor, João Baptista da Silva Lopes, refere que “nos corgos, entre as serras, bastantes colmeias há em cortiços de sovereiros ou azinheiras, que produzem excelente mel pela abundância de plantas aromáticas”. Os centros produtores de mel estão espalhados pela serra algarvia e nalguns pontos do barrocal.
A boa qualidade do mel produzido no Algarve torna-o muito apreciado na doçaria e na preparação de algumas bebidas, mas é insuficiente para o consumo, quando antigamente também era exportado. Deve-se aproveitar as condições naturais, como a existência de grandes espaços quase no estado selvagem, apesar da pressão urbanística para continuar a produzir mel que a culinária precisa para confeccionar os saborosos doces e licores.
Trigo
Já foi dito que o trigo é o alimento base dos povos que vivem em torno do Mediterrâneo e, consequentemente, um dos produtos fundamentais da gastronomia algarvia, a par do azeite e dos figos secos, a que, nos últimos séculos se juntaram as papas de milho. No passado, era o elemento fundamental do cabaz dos impostos e das dízimas a pagar à Igreja, apesar da região ter sido quase sempre deficitária em trigo.
Em nossa opinião, a verdadeira causa do déficit cerealífero deve-se à fraca aptidão agrícola dos solos, mais propícios à horticultura, à fruticultura e ao pastoreio, do que ao cultivo de cereais. Através dos quantitativos entrados no celeiro das dízimas e das estimativas do número de habitantes, os estudiosos demonstram a insuficiência crónica de trigo produzido no Algarve. No mesmo sentido vai o testemunho de um relator régio do século XVIII.
Na década de trinta do século XX, desenvolveu-se, com grandes incentivos governamentais, uma campanha a favor da sementeira do trigo. As arroteias então efectuadas em terrenos da serra algarvia e o emprego de adubos, em quantidades exageradas, tornaram possível um aumento temporário da produção, mas depressa se concluiu que tal prática era insustentável, porque as terras não tinham aptidões, nem o esforço despendido compensava. Era uma política agrícola errada e depressa se concluiu que o déficit produtivo deveria ser solucionado com o recurso à importação, como se verificara ao longo da História.
Uvas e Vinho
Desde a antiguidade, a vinha é uma das grandes culturas praticadas em todo o Algarve, com grande incidência nos terrenos entre Lagoa e Lagos. O vinho proporcionava bons rendimentos aos agricultores, o que explica a grande extensão de terra ocupada com este produto. No século XVIII, no tempo do marquês de Pombal, fomentou-se, na região, uma política proteccionista para o aumento da produção de trigo, o que provocou a diminuição da produção vinícola na segunda metade daquele século.
Problemas comuns às restantes actividade agrícolas no Algarve, nas últimas décadas, contribuíram também para a diminuição da produção de uvas de vinho, enquanto as de mesa, de muito boa qualidade, tem aumentado, para consumo interno e externo. Há notícia de que, nos últimos anos, a viticultura tem aumentado, sem haver ainda dados contabilizados para se saber se este desenvolvimento recente será suficiente para se atingirem as quantidade de outros tempos. Na restauração algarvia, aparecem ainda poucos vinhos da região, apesar desta desde sempre ter tido alguma produção vitivinícola de qualidade. Após alguns anos de decadência a produção local está de novo em progressão com novos vinhos nomeadamente de Portimão, pelo que se pensa que de futuro haverá uma maior presença dos vinhos de origem algarvia nos restaurantes locais.